quando o telefone toca

todos os dias, ao final do dia, ligo aos meus Pais. habituei-me a fazê-lo desde sempre, mesmo que não haja grandes novidades para contar. temos sempre o Whatsapp e o Messenger, por onde comunicamos durante o dia, mas à noite a rotina mantém-se. 
quando o telefone toca fora das horas habituais, sobressalto-me. é ridículo, mas inevitável. desde o início de 2007 que é assim. um dia, ao acordar, tinha uma mensagem de voz no telemóvel: era a minha Mãe, a dizer que o meu Pai estava no hospital. só isto. ainda vivíamos na mesma casa. eu não dei por nada e ninguém me quis acordar para não me preocupar. 

a minha Mãe estava a trabalhar de noite - é enfermeira - e o meu Pai entrou na urgência, depois de conduzir de casa até ao hospital, a ter um enfarte. foram cinco longas semanas entre o hospital e o trabalho, só com umas horas por dia, poucas, para dormir em casa. nunca mais consegui sossegar quando um deles me telefona. ou a minha Irmã. 
no espaço de um ano e meio, o meu Pai foi operado três vezes, a minha Avó paterna morreu e a minha Mãe caiu a esteve sete meses numa cadeira de rodas. assim, sem quase termos tempo para respirar e assimilar o que estava a acontecer. 
durante todo esse tempo, quando chegava a casa, não tinha ninguém com quem falar. na verdade, nem me apetecia. queria só chegar e ter quem me desse colo e, sem que eu precisasse de dizer nada, me amparasse. não tinha. 
aprendi que o que não nos mata nos torna mais fortes. por necessidade e por sobrevivência. mas isso deixa marcas, que normalmente não são visíveis para os demais. não falo sobre isso. acho que nunca falei. penso muitas vezes nessa época, sobretudo quando as coisas não correm da forma que idealizei ou desejei, nos momentos menos bons. penso que se ultrapassei tudo isso (com marcas, enfim), haverá poucas coisas que não possam ser relativizadas. porque é verdade o cliché de que temos sempre mais força do que julgamos ter, que vem não sabemos de onde e nos faz manter de pé quando julgamos estar a cair.

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